Testes preliminares com compostos binucleares de cobre constataram eficácia superior à da Cisplatina, um dos principais fármacos utilizados na quimioterapia do câncer
Texto por Nayara Campos | Imagem: PUC-Rio
Uma pesquisa conduzida por cientistas da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio) e da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) resultou em um potencial avanço para o tratamento do câncer e de doenças fúngicas. A invenção consiste em compostos binucleares de cobre, ou seja, compostos que possuem dois íons cobre(II) muito próximos um do outro. Em estudos preliminares, esses compostos demonstraram uma atividade significativa contra células tumorais humanas, superando, em alguns casos, a eficácia de um dos principais fármacos utilizados na quimioterapia do câncer: a Cisplatina.
Segundo o Dr. Nicolás A. Rey, professor associado do Departamento de Química da PUC-Rio e um dos inventores principais da invenção, o princípio de funcionamento desses compostos binucleares envolve uma sinergia entre os dois centros de cobre, intensificando sua ação nas células cancerígenas. “Basicamente, o composto entra na célula tumoral e a ataca em diferentes pontos. Além disso, gera impactos nas mitocôndrias, organelas da célula que atuam como sua central energética e, com isso, promove a apoptose desta célula, que é a morte celular programada”, afirma Rey. O cientista explica que o processo que ocorre é como se a própria célula, sentindo-se inviabilizada, causasse sua destruição.
Ainda, os complexos de cobre derivados dos ligantes H3L1 e H2L2, tanto na forma ativa (com ponte hidróxido) quanto como pró-drogas (com ponte acetato), possuem centros de cobre(II) insaturados ou com ligantes instáveis (lábeis), como a água, facilitando a interação com biomoléculas essenciais, como DNA, RNA e proteínas.
Os atrativos do composto criado em relação aos existentes no mercado
De acordo com o Dr. Rey, um dos aspectos mais promissores da invenção é a possibilidade de menor toxicidade em comparação com a Cisplatina. “Como a platina não é um metal fisiológico, ou seja, é um metal estranho para nosso organismo, os compostos feitos com ela causam muitos efeitos colaterais, como mal estar estomacal, vômito, queda de cabelo e toxicidade aos rins”, afirma. “Nossa abordagem utiliza um metal essencial para o nosso organismo, o cobre, e isso permite que possamos lidar melhor, fisiologicamente, com fármacos que o tem na composição, podendo diminuir os efeitos adversos”, explica Rey.
O pesquisador destaca que a aprovação do uso de um composto mononuclear de cobre (CasiopeínasTM) para testes em pacientes humanos no México, há cerca de três anos, abre precedente favorável para o futuro desenvolvimento e teste dos compostos binucleares deste metal, objeto da invenção de titularidade da PUC-Rio e da UFRJ.
Da medicina humana à veterinária e ao combate a fungos
As aplicações práticas da invenção abrangem diversas áreas. Primordialmente, o foco é o tratamento do câncer em humanos. No entanto, Rey também vislumbra um uso significativo, e talvez primário, na medicina veterinária. “O mercado de pets seria uma potencial saída mais rápida, antes de se liberar o composto para ensaios clínicos (em humanos), que requer um caminho de testes e análises mais rigorosos e demorados”, destaca.
Além dos tratamentos contra células tumorais, os compostos demonstraram atividade antifúngica contra patógenos importantes como Candida albicans, Candida parapsilosis, Candida tropicalis e Candida krusei, com perspectiva para o tratamento de infecções fúngicas, especialmente em pacientes com sistemas imunológicos debilitados.
Como surgiu a hipótese comprovada pela invenção
De acordo com Rey, a invenção patenteada surgiu como uma descoberta aleatória, enquanto se dedicava a outra pesquisa durante seu doutorado. “Eu estava estudando a enzima catecol oxidase, responsáveis por fazer uma fruta adquirir um aspecto escuro, quando as cortamos e deixamos expostas ao ar. Na época, tentava fazer modelos químicos que imitassem essa enzima natural”.
Segundo o pesquisador, a catecol oxidase tem dois átomos de cobre juntos e, por isso, incluiu essa característica nos modelos que estudava. “Um dia, no laboratório, eu pensei em conferir se o composto interagia com DNA e, para minha surpresa, constatei que ele quebrou o DNA em vários fragmentos”, ressalta. Após a experiência, Rey levantou a hipótese de que o composto seria capaz de atacar células tumorais, que possuem DNA mais exposto do que células normais do organismo.
Embora inicialmente não relacionada ao seu tema de doutorado, essa descoberta levou à investigação do potencial antitumoral desses compostos. A pesquisa subsequente de Rey se concentrou na classe química das N-acil hidrazonas, levando ao desenvolvimento direcionado dos complexos binucleares de cobre contendo ligantes pertencentes a essa classe.
As pesquisas que resultaram na invenção contaram com suporte financeiro das agências de fomento FAPERJ, CNPq e CAPES. Junto com Nicolás A. Rey, também assinam como inventores do pedido de patente André Luis Souza dos Santos, Jesica Paola Rada Arias, Marcos Dias Pereira, Rafaela dos Santos Moraes Francisco e Zeinab Ghasemishahrestani.
Com o auxílio da Agência PUC-Rio de Inovação (AGI/PUC-Rio), a invenção teve pedido de patente depositado junto ao Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) e integra o portfólio de Propriedade Intelectual da universidade disponível para licenciamento.
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